Para além do mercado

tipo: Documentos
publicado em: 09 de junho de 2009
por: Gustavo Gindre Monteiro Soares
idiomas:
Gustavo Gindre Monteiro Soares* - 09 de junho de 2009
Fonte: Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação 2008

Organizações não governamentais e movimentos sociais de todo o planeta reivindicam que o direito à comunicação (de ser informado, mas também de informar) deve ser incluído no rol dos direitos humanos inalienáveis, como parte daquilo que constitui nossa própria humanidade.

E, no século XXI, o direito humano à comunicação materializa-se no acesso às redes de informação em alta velocidade. Tais redes ganham, então, o mesmo status que as infra-estruturas de saúde, educação e transporte, por exemplo, obtiveram ao longo do século XX. Cabe ao Estado garantir que todos os cidadãos poderão delas usufruir.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2008, realizada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), apenas 18% das residências brasileiras possuíam conexão à Internet, sendo 20% dos domicílios na área urbana e somente 4% na área rural. Esses números já apontam que o acesso à Internet da população brasileira é baixo. Como se não bastasse, 31% desses domicílios no país ainda se utilizavam dos tradicionais modems para linhas discadas, com velocidade incapaz de usufruir da maior parte dos serviços disponibilizados na Internet. Isso significa que estamos construindo mais um tipo de exclusão – a exclusão digital, impedindo que o direito humano à comunicação possa ser exercido livremente.

Para garantir que todo cidadão tenha acesso à Internet, segundo a legislação brasileira, é fundamental que o Presidente da República edite um decreto presidencial tornando a chamada banda larga um serviço a ser prestado em regime público.

Com isso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) terá de ampliar o escopo do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) e do Plano Geral de Metas de Qualidade (PGMQ) para que contemplem o acesso à Internet. Com o PGMU a Anatel terá a chance de reconhecer (o que não fez na telefonia!) que inclusão social no Brasil só se faz para além do mercado.

É um erro esperar que o mercado consiga, por si só, incluir todos, ainda mais em um país profundamente desigual como o nosso. Além das diferenças entre as regiões geográficas brasileiras, apontadas nos últimos quatro anos das pesquisas TIC Domicílios, em 2008, com a inserção da zona rural e a conseqüente comparação com a zona urbana, acrescenta-se mais um fator de desigualdade social, balizado, principalmente, no poder econômico da localidade.

Portanto, não é mais possível considerar como “universalizados” todos aqueles que dispõem da oferta do serviço, mesmo que não possam por ele pagar. Seria o mesmo que dizer que um morador de determinada favela, por acaso próxima de um centro de excelência de medicina privada, está “universalizado” em relação à saúde.

É preciso garantir o acesso de fato e, uma vez criado o serviço em regime público, o Governo poderá usar os mais de sete bilhões de reais já arrecadados no Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para garantir sua inclusão de fato.

Desde 2005, a principal barreira apontada para a posse da conexão à Internet nos domicílios brasileiros, segundo as pesquisas do CGI.br, foi o custo elevado.

Portanto, uma solução viável seria utilizar os rendimentos do Fust para financiar redes locais, com ou sem fio, coordenadas por prefeituras e/ou a sociedade civil local, que garantam Internet a baixo custo para todos.

Nesse caso, os serviços prestados pelos órgãos da Administração Pública Direta ou pelas entidades do terceiro setor submeter-se-iam ao regime público, fato que permitiria à Anatel definir uma política de tarifas, não apenas para o usuário final, mas também para a interconexão, impedindo que as grandes operadoras usem o oligopólio da infra-estrutura para evitar a concorrência. Mais que isso, a Anatel pode impor políticas de abertura das redes das operadoras de telecomunicações para essas experiências de conectividade local sem fins lucrativos.

Na hipótese da ampliação do PGMU e do PGMQ abarcando o acesso à Internet, a Anatel poderia definir, por exemplo, o que é, de fato, banda larga, buscando responder a questões como: Qual velocidade as operadoras serão obrigadas a garantir para o usuário final? Quais as obrigações para a garantia de qualidade dos serviços? Vale lembrar que 44% dos domicílios brasileiros com acesso à Internet possuem velocidade entre 64 e 256 Kbps. Dessa forma, a Anatel poderia também evitar que as operadoras de telecomunicações utilizem práticas conhecidas como traffic shapping, com o intuito de impor os tipos de serviços que serão beneficiados no acesso do usuário final.

Temos ainda um longo caminho a percorrer para alcançar a universalização do acesso à Internet, cabendo ao Governo a tarefa de garanti-lo para todos os brasileiros, para que ele não seja conduzido exclusivamente por meio de mecanismos de mercado. Assim, no mundo virtual, tal como no real, o Brasil deixaria de ser uma imensa “Belíndia” 1 .

* Gustavo Gindre Monteiro Soares é representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil.

1 "Belíndia" é um termo cunhado por Edmar Bach em 1974 para definir a distribuição de renda no Brasil, no qual combina, metaforicamente, a pequena e rica Bélgica com a grande e pobre Índia.

Como citar este artigo:
SOARES, Gustavo Gindre Monteiro. Para além do mercado. In: CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil). Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação 2008 . São Paulo, 2009, pp. 57-59.